Após longo atraso, o Conselho Deliberativo do Botafogo foi convocado para reunião no dia 24/01/2019, quinta-feira, para votar o orçamento 2019 — o primeiro elaborado pela gestão de Nelson Mufarrej. Os orçamentos de 2016, 2017 e 2018 foram feitos por Carlos Eduardo Pereira, que assumiu em novembro de 2014.

Já comentamos aqui sobre a péssima prática de CEP e do Mais Botafogo de inflar receitas que sabidamente não se realizarão a fim de apresentar um orçamento com resultado positivo no papel. Como se sabe, os objetivos dessa prática são criar uma planilha com saldo azul para autopromover a própria gestão e também poder antecipar mais recursos, já que o limite é calculado sobre o valor orçado das receitas.

Hoje, entretanto, queremos dar números a um aspecto do orçamento sobre o qual sempre alertamos mas que tem pouca repercussão: as despesas.

Na peça orçamentária há sempre um resumo que mostra receitas, despesas e resultados separados por cinco áreas: futebol, estádio, clube, remo e esportes gerais. A soma desses resultados dá o resultado operacional, que é a diferença entre receitas e despesas de cada área antes de incluir deduções e despesas financeiras.

O futebol exige um patamar mínimo de gastos para que o clube mantenha equipes competitivas em todos os torneios e exista. E sendo a atividade fim, há, por consequência, o objetivo de aumentar os recursos disponíveis para investimento no futebol e assim qualificar a equipe. O estádio tem seu custo de manutenção e os investimentos necessários para que seja um fator de arrecadação. Por exemplo, a pintura das cadeiras foi um bom investimento, pois criou no torcedor sentimento de identidade e pertencimento em relação ao estádio, e isso estreita a relação entre clube e torcedor.

Sobram, então, três áreas: clube, remo e esportes gerais. Estas despesas não contribuem para a atividade fim, que é o futebol. Com os recursos extremamente escassos até mesmo para manter salários em dia, tais áreas devem ter suas despesas reduzidas ao máximo. O clube tem despesas fixas inevitáveis, mas tem que ser capaz de se autossustentar, pois tem meios para tal. O remo, estatutário, deve ter seus gastos reduzidos ao nível mínimo para se manter operando, sem investimentos em busca de títulos. Por fim, esportes gerais são uma despesa absolutamente discricionária. Nada obriga o dirigente a ter times de vôlei ou basquete, podendo (e devendo) este gasto ser cortado por decisão do presidente.

Portanto, vamos nos ater a esses três grupos de despesa — clube, remo e esportes gerais — que chamaremos de CRE, pois são gastos que devem ser melhor gerenciados.

Sempre combatemos o gasto excessivos em CRE. Agora que chegamos ao quinto orçamento da era CEP-Mufarrej é o momento ideal para dar números a esse problema.

O RESUMO DO ORÇAMENTO

O livro orçamentário sempre tem um quadro resumo dessas cinco áreas que compara o orçado e o realizado do ano atual e o orçado do ano seguinte (o ano do orçamento). Na figura, vemos parte do quadro comparando orçado e realizado 2018 com o orçado 2019:

Observação importante: os valores da coluna “REALIZADO 2018” consistem no efetivamente realizado de janeiro a setembro mais a projeção do último trimestre (outubro a dezembro), que é feita utilizando-se os valores orçados. Como os valores orçados em regra são muito mais otimistas do que a realidade, a tendência seria de piora no resultado se corrigíssemos estes valores. O realizado só sai no ano seguinte, quando a diretoria divulga o balanço. Entretanto, como o balanço patrimonial agrupa os valores de outra maneira, vamos usar sempre os quadros constantes dos orçamentos para fazer este levantamento.

2015 A 2018: CEP ORÇOU DÉFICIT DE R$ 14 MILHÕES EM CRE

Combinando os orçamentos de 2015 a 2018 elaborados por Carlos Eduardo Pereira, o Botafogo teria um déficit acumulado em CRE da ordem de R$ 14 milhões. O maior vilão seriam os esportes gerais, com R$ 11 milhões negativos.

Isso significa que Carlos Eduardo Pereira tomou a decisão de desperdiçar R$ 14 milhões do futebol em despesas CRE, despesas estas que dependiam apenas de sua vontade para que fossem reduzidas ao nível de suas receitas, aliviando assim as receitas do futebol.

Mas a coisa piora, pois já vimos que o orçado sempre está bem acima da realidade.

2015 A 2018: CEP E MUFARREJ REALIZARAM DÉFICIT DE R$ 32 MILHÕES EM CRE

Os números anteriores são o resultado acumulado dos quatro orçamentos elaborados por Carlos Eduardo Pereira de 2015 a 2018. Agora, veremos quanto CEP (2015 a 2017) e Mufarrej (2018) realizaram em CRE:

Note que eles assumiram ter um déficit de R$ 14 milhões no acumulado de CRE em quatro anos. Entretanto, o realizado foi muito pior: déficit acumulado de R$ 32 milhões.

Observe a gravidade disso: o Botafogo teve déficit em quatro anos de R$ 32 milhões em despesas gerenciáveis que não agregam nada ao futebol, não aumentam a geração de receitas e não abatem dívidas.

Note também que o VP Executivo afirmou que o clube fechou 2017 com caixa negativo em R$ 17 milhões. Pois bem, veja na tabela que no mesmo ano tivemos déficit em CRE de R$ 16,3 milhões.

AS CONSEQUÊNCIAS DE GASTOS IRRESPONSÁVEIS

A esta altura você deve estar se lembrando que CEP renegociou contratos com a Globo até 2024, pegando R$ 100 milhões na mão em adiantamentos, fez empréstimos bancários e ainda assim fechou 2017 com déficit de caixa de R$ 17 milhões, conforme dito pelo VP Executivo e registrado em ata de reunião do CD de 16/10/2018.

Nota: este registro em ata é importante porque Carlos Eduardo Pereira nega até hoje este déficit.

Por causa deste passivo de CEP e por não ter mais boladas de antecipação a receber, Mufarrej em seu primeiro mandato ficou sem fluxo de caixa para os gastos operacionais correntes, e começou a atrasar salários. Como paliativo, começou a recorrer a antecipações, totalizando R$ 39,8 milhões, e mesmo assim o VP Financeiro afirmou que fecharia o ano com déficit de caixa de R$ 49 milhões, sem contar Profut e já carregando aqueles R$ 17 milhões de 2017 (afirmação registrada na mesma ata da reunião do CD de 16/10/2018).

O CUSTO DO DINHEIRO

Uma coisa importante a se compreender é que “dinheiro custa dinheiro”. Quando o Botafogo tem um déficit e precisa recorrer a empréstimos e adiantamentos, na verdade ele está pegando dinheiro do futuro (por isso dá como garantias fontes de receitas futuras) com alguém e em troca paga um prêmio a este alguém, isto é, um deságio que remunere o risco e o custo de oportunidade de quem empresta.

Nota: risco significa a possibilidade do tomador não pagar e custo de oportunidade é o quanto o emprestador deixa de ganhar por não estar investindo seu dinheiro em outra opção mais rentável ou mais segura.

Como exemplo, um dos adiantamentos de Nelson Mufarrej, o aprovado em 16/10/2018, teve o seguinte custo, conforme ata da reunião do CD:

O valor bruto da operação é de R$18.720.000,00 (dezoito milhões, setecentos e vinte mil reais) e os juros na casa de 1,360%, fazendo com que o valor líquido seja de R$13.829.783,17 (treze milhões, oitocentos e vinte e nove mil, setecentos e oitenta e três reais e dezessete centavos). Este montante começará a ser pago nos quatro primeiros meses de 2020, com 4 parcelas iguais de R$2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais) e nos quatro primeiros meses de 2021 com 4 parcelas iguais de R$2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), referentes a parte do valor a receber do Campeonato Carioca.

Note que o Botafogo recebe na mão mesmo R$ 13,8 milhões, mas perde R$ 18 milhões.

Isso significa que ao jogar fora R$ 32 milhões o Botafogo perdeu muito mais do que isso recorrendo a empréstimos e antecipações. Há também outros danos associados, como ter que abrir mão da remuneração mínima de Pay-per-view (o que pode levar à perda de dezenas de milhões de reais) ou ter que negociar contratos de TV e até venda de jogadores em situação muito desfavorável devido à urgência, o que reduz o poder de negociação.

O Botafogo tem também o seu próprio custo de oportunidade. Esse dinheiro poderia ter sido total ou parcialmente investido nas categorias de base ao longo desses anos. Com isso o clube poderia ter revelado melhores jogadores que trariam retorno técnico dentro de campo e financeiro com boas vendas futuras.

2019: MUFARREJ PROJETA MAIS R$ 8,5 MILHÕES DE DÉFICIT EM CRÉDITOS 

Você pode não acreditar, mas a gravíssima crise vivida pelo Botafogo em 2018 não foi o suficiente para convencer a gestão CEP-Mufarrej a atacar estas despesas gerenciáveis. O orçamento 2019 mostra que não houve absolutamente nenhuma mudança na gestão CEP-Mufarrej quanto a estes custos.

As receitas fantasiosas, marca registrada do Mais Botafogo, estão lá, chegando ao absurdo de prever R$ 77,2 milhões em vendas de jogadores. Mas e essas despesas? Serão cortadas? A resposta é não. Lá está mais um déficit, dessa vez com previsão de R$ 8,5 milhões negativos (lembrando sempre que a realidade costuma ser muito mais cruel do que a previsão).

Nota: devido à forte repercussão negativa, tiraram R$ 37 milhões de vendas de jogadores e remanejaram para “receitas extraordinárias”, como placas de publicidade, mas isso foi feito de forma tão apressada que sequer foi alterado em algumas planilhas de cálculo, que permanecem com os R$ 77,2 milhões em vendas de jogadores.

Matéria do site Botafogo sem Medo